Nei Lopes: 'sociedades marcadas pelo racismo'
Compositor e pesquisador
carioca lança 'O preto
que falava iídiche'
A obra narra um encontro
entre comunidades negra
e judaica na Praça Onze
O compositor, escritor e pesquisador Nei Lopes, com seu
novo livro, O preto que falava iídiche, (Record, 255 págs.),
lançado neste mês, busca fazer "um paralelo entre duas
sociedades marcadas pelo racismo". É a história de Nozinho na
Praça Onze carioca, um lugar marcado pela presença de várias
comunidades, não só a negra, como lembra Nei, autor de várias
obras dedicadas à cultura africana e à música, como o Dicionário
da história social do samba.
Ele
entrou no universo do samba "a contragosto da minha família",
recorda. "Minha mãe dizia: eles lá e nós aqui", conta
Nei Lopes, 76 anos completados em maio, criado em Irajá, área
suburbana da zona Norte do Rio de Janeiro, onde o pai comprou um
terreno em 1927 - Nei foi o último de 13 filhos. "Hoje, só
tem eu na prole". Pequeno, conheceu uma senhora que era
"banqueteira", como se dizia antigamente, trabalhando para
casas abastadas do Rio, e ligada à Portela. "Esse ambiente me
fascinou muito cedo", diz Nei, que anos depois se aproximaria do
Salgueiro, participando pela primeira vez do Carnaval em 1963,
justamente quando a escola de samba da Tijuca, também na zona Norte,
provocou uma pequena revolução no desfile com o enredo Xica da
Silva.
Nei Lopes é autor de 35 livros |
Um ano
antes, ele entrou na Faculdade Nacional de Direito. "Eu achava
que queria ser advogado. Tanto que fui, por um período curto",
lembra, lamentando situações parecidas com as atuais, como
morosidade e parcialidade. "Senti isso como profissional",
afirma. Nei passou a compor jingles para então virar compositor. Em
parceria com Wilson Moreira, assina clássicos como Senhora liberdade
(gravada por Zezé Motta), Goiabada Cascão (Beth Carvalho) e Gostoso
veneno (Alcione), entre outros.
"Os
primeiros livros de ficção que eu publiquei tinham o universo do
samba como ambiente central", diz Nei Lopes, citando Caros
crioulos e Vinte contos e uns trocados (Deste, ele diz: "Gosto
muito, muito mesmo") e falando da "pungência" e dos
dramas relacionados ao tema. "Sei de casos que aconteceram que
às vezes penso que eu sonhei."
Histórias diversas
Nesta
nova obra – já são 35 –, o samba "não está presente, mas
ele se anuncia", diz o autor. A Praça Onze é conhecida como um
berço do samba carioca. Lá, "havia um rapazinho que trabalhava
para um pequeno industrial da comunidade judaica, que não conseguia
falar uma palavra de português".
"Do
relacionamento apaixonado, fortuito e proibido do preto
inteligentíssimo Nozinho, que falava até iídiche, com a bela e
branca judia Rachel, ele (Nei) nos conduz do ambiente de uma Praça
Onze que testemunhava a invenção do samba a uma África que viu
desde os judeus se libertarem da escravidão no Egito até a
escravização dos povos negros e o mítico amor da rainha de Sabá e
de Salomão, antecipando, na Etiópia, Rachel e Nozinho no Rio",
escreve, na introdução, o jornalista Hugo Sukman.
"Evidentemente
que são duas histórias muito diversas", observa Nei Lopes,
referindo-se aos povos negro e judaico. Para ele, "a autoestima
do povo afrodescendente é mínima, por conta de uma abolição
irresponsável, enquanto a comunidade judaica tem outra percepção
de si mesma", mantendo seus costumes. Nei aponta uma desunião
entre os negros "que já veio da época (da escravidão) e foi
insuflada pelos europeus".
Mesmo
assim, ele acredita que até os anos 1980, principalmente, as
entidades do movimento negro conseguiram "certa resposta"
às suas reivindicações. "A gente está num momento em que
tudo isso está retrocedendo de forma violenta", diz. Nei afirma
ainda já ter acredito no pan-africanismo: "As circunstâncias
internacionais são todas desfavoráveis".
Dna. Ivone Lara
Durante
conversa de lançamento do livro, na Livraria da Vila, o pesquisador
comentou o recente episódio envolvendo a cantora Fabiana Cozza, que
desistiu de interpretar dona Ivone Lara em um musical após ataques
em redes sociais por ser considerada "branca demais" para o
papel, em polêmica envolvendo o chamado colorismo. "Quando se
chegou a uma classificação abrangente do ponto de vista político,
os pretos e os pardos são os negros, para mim foi um avanço
importante. Acho que foi um tiro no pé, falta de sentido
estratégico."
Sobre
esse caso, ele escreveu artigo para a revista Época, publicado na
edição atual, defendendo Fabiana.
"Em
relação a sua personificação de Dona Ivone Lara no teatro, ouso
dizer que não sei, ainda, de cantora brasileira mais capacitada para
tal. Não só pela absoluta identificação artística com a
personagem, quanto, de certa forma, pelo chamado physique du rôle - a aparência física apropriada para o papel.
Mas a
pretendida correção política dos tempos atuais entendeu, com
alguma dose de razão, que não era bem assim. Pena! Perdeu o teatro,
perdeu a música, e, lamentavelmente, ganharam aqueles que, hoje cada
vez mais, fazem cair por terra todos os avanços sociais em favor do
povo brasileiro que, em meu entender, foram conquistados da década
de 1980 até aqui."
+ Da Rede
Brasil Atual (www.redebrasilatual.com.br)
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